Nesses últimos sete dias, os noticiários nacionais cobriram com destaque uma estranha agenda que teria ocorrido, no último dia 25 de agosto, no gabinete do presidente, no Palácio do Planalto, onde estiveram presentes o próprio Jair Bolsonaro, o Gabinete de Segurança Institucional – GSI, a presidência da ABIN e duas advogadas do senador Flávio Bolsonaro, que é investigado pela possível prática de malfeitos, como a prática de rachadinhas e lavagem de dinheiro, quando ainda era deputado estadual pelo Rio de Janeiro, no caso do ex-PM Fabrício Queiroz.
A Lei 9.883 de 1999, que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN e que criou a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, estabelece que as atividades da inteligência oficial brasileira terão como finalidade o fornecimento de subsídios ao presidente da República nos assuntos de interesse nacional. E para por aí.
Mas, afinal de contas, onde estaria o interesse nacional, encerrado no caso da investigação criminal em curso sobre Flávio Bolsonaro e seu ex-assessor Fabrício Queiroz, que justificasse o interesse do mais alto escalão da nossa inteligência? Como um caso de polícia poderia atrair a atenção do Ministro Chefe do GSI e do próprio diretor-geral da ABIN?
O cientista político Jorge Zaverucha, ex-professor da Universidade Federal de Pernambuco, no seu livro FHC, Forças Armadas e Polícia, aponta para uma preocupante inexistência de definição legal sobre os limites de atuação e capacidade de operação da ABIN.
De fato, a Lei 9.883/99 não baliza nem delimita as atividades da nossa agência de inteligência, o que – absurdamente – acarretou, grosso modo, na criação de um órgão com vocação de servir muito mais aos interesses de governo do que do Estado brasileiro.
Na maioria das democracias as agências de inteligência são balizadas e têm suas missões delimitadas por lei. Na idealização do arcabouço da ABIN – ocorrida na segunda metade dos anos 90 – foi utilizado o modelo canadense, da Canadian Security Intelligence Service – CSIS, cuja legislação conta com definição precisa dos seus limites e missões, o que acabou desafortunadamente não sendo replicado no elaboração da nossa agência.
A ausência de objetividade do aludido texto legal, que lança mão da expressão interesse nacional, sem contudo esboçar defini-la, acaba por sugerir que caberá a cada presidente da República estabelecer o que seria interesse nacional.
Ao fim e ao cabo, como bem coloca o Professor Zaverucha, a ABIN pode representar um cheque em branco nas mãos do governo de plantão.
E hoje, mais do que nunca, é exatamente aí que mora o perigo…
Corremos, doravante, o sério risco de observarmos instituições do Estado brasileiro sendo apequenadas e utilizadas não apenas como de governo, mas também por motivações pessoais e familiares, sem que haja qualquer interesse público que o justifique.
E o que é mais lamentável, em casos como o da reunião que atraiu a cúpula da inteligência brasileira para cuidar de interesses de um investigado pela polícia, é que as pessoas à frente desses órgãos de Estado se deixem usar, por um efêmero inquilino do poder, subvertendo e maculando a história dessas instituições públicas que (também momentaneamente) dirigem.
É triste, mas parece que sempre haverá aqueles dispostos a fazer o trabalho sujo, como se não houvesse amanhã.