A figura de Iemanjá, orixá das águas e mãe de grande parte dos orixás no candomblé, tem sido amplamente representada no Brasil como uma mulher branca, magra, de cabelos lisos e vestida de azul. No entanto, essa imagem predominante não reflete a origem africana da divindade, mas sim um processo histórico de embranquecimento cultural e sincretismo religioso.
O fenômeno é semelhante ao ocorrido com a representação de Jesus Cristo, que, apesar de ter sido um homem do Oriente Médio, foi retratado ao longo dos séculos como um europeu de pele clara e olhos azuis. No caso de Iemanjá, o processo de colonização e a imposição de uma estética eurocêntrica reforçaram uma visão de superioridade branca, resultando na massificação de uma imagem que não condiz com sua essência africana.
Sincretismo e a Desafricanização das Religiões Afro-Brasileiras
Com a escravização de povos africanos no Brasil, as religiões trazidas por eles sofreram perseguições e foram forçadas a se sincretizar com o catolicismo para garantir sua sobrevivência. Como parte desse processo, Iemanjá foi associada a santas católicas, como Nossa Senhora dos Navegantes e Nossa Senhora das Candeias, ambas celebradas em 2 de fevereiro.
O surgimento da umbanda no século XX também desempenhou um papel na ocidentalização da imagem de Iemanjá, ao adotar elementos do cristianismo e do espiritismo. Segundo o estudioso Nei Lopes, a representação branca da orixá provavelmente nasceu nesse contexto, já que o candomblé tradicional não retrata suas divindades em forma humana, pois são forças da natureza e energias cósmicas.
A Importância de Reafirmar a Origem Negra de Iemanjá
Para estudiosos e adeptos das religiões afro-brasileiras, reafirmar a negritude de Iemanjá é um ato de resistência contra o epistemicídio, termo usado para descrever a destruição dos saberes e tradições africanas pelo colonialismo.
A historiadora e candomblecista Carolina Rocha destaca que, além da cor da pele, a estética da imagem popularizada de Iemanjá apaga características simbólicas fundamentais, como seus seios fartos e quadris largos, que representam fertilidade, prosperidade e força feminina. O padrão ocidental imposto nega não apenas a origem africana, mas também a representação do feminino em sua diversidade e plenitude.
Resgatando a Identidade de Iemanjá
Nos últimos anos, muitos artistas e religiosos têm se empenhado em reconstruir uma imagem mais fiel à história e cultura afro-brasileira. Quadros, esculturas e ilustrações retratando Iemanjá como uma mulher negra estão ganhando mais espaço, assim como discussões sobre a importância de valorizar as religiões de matriz africana sem a imposição de padrões coloniais.
Assim como Emicida canta em “Baiana”, é essencial que a sociedade reconheça e celebre Iemanjá em sua origem africana, fortalecendo o respeito e a preservação das religiões afro-brasileiras e sua rica simbologia.